Quando recebemos o diagnóstico de uma doença que torna o nosso ente querido dependente, uma chuva de perguntas inunda a nossa cabeça: “E agora o que fazer?”, “Como posso ajudar?”, “Como vou organizar-me para dar conta do recado?”. Vamos ter cuidado com as armadilhas…
Pois, no meio de tantas dúvidas, um sentimento bem específico surge: o sentimento do dever, que é a nossa missão cuidar do nosso familiar e a todo o custo. Ora é com esse sentimento que começamos, inconscientemente, a cair nas armadilhas do cuidar, pondo em causa o bem-estar do nosso familiar e, principalmente, da nossa saúde.
- Cuidar demais
Começamos a cuidar do nosso familiar, a tentar fazer tudo na perfeição na ânsia de aliviar o seu sofrimento e de ajudá-lo simplesmente. Olhamos com atenção e intervimos em todos os aspetos da vida da pessoa doente: a sua alimentação, a sua higiene, o seu descanso, o seu tempo de lazer, etc. Pressionamo-nos tanto que tornamo-nos tóxicos para a pessoa cuidada. Esta ajuda em demasia asfixia psicologicamente o doente, vê-se como um inútil ou uma carga porque agora olhamos para ele de maneira diferente e, isso afeta a nossa relação cuidador-doente.
Às vezes, tentamos encontrar e aplicar soluções a determinada situação de acordo com o que nós achamos correto para nós próprios na mesma circunstância e não temos em conta nem perguntamos realmente a opinião do nosso ente querido. Enquanto ele tiver forças para reagir, ele irá mostrar o seu descontentamento face à invasão do seu espaço e fazer valer as suas decisões. No entanto, quando estiver muito fragilizado pela doença, não terá forças para reclamar, sentir-se-á, então, impotente, rancoroso e poderá sentir-se culpado por não conseguir estar à altura do que lhe pedimos e, por vezes, pode surgir o medo fazendo com que ele se entregue ao silêncio por medo de ser rejeitado e abandonado se persistir em reclamar.
AJUDAR SIM MAS COM CONTA, PESO E MEDIDA!
- (Não) Confiar
Porquê tentar adivinhar os pensamentos e necessidades do nosso familiar? Mais vale perguntar-lhe diretamente o que ele acha, quer e precisa. Ganha-se tempo, evitamos confusões e conflitos e, sobretudo, mostramos que respeitamos, confiamos e amamos a pessoa doente. Simultaneamente, promovemos a sua autonomia: porquê buscar-lhe um copo de água se ela própria é capaz de ir buscar?
- Super dependência
A super dependência acontece quando a pessoa doente delega ao cuidador informal todas as decisões que lhe diz respeito apesar de ser totalmente capaz de as tomar por si própria.
Inicialmente, podemos nós cuidadores sentir-nos privilegiados, no entanto, caímos insidiosamente na armadilha. Pois, pouco a pouco, a totalidade das tomadas de decisões recaem em cima de nós e, se tivermos o azar de tomarmos a decisão errada, o doente poderá acusar-nos e culpabilizar-nos de tal erro. Além disso, a dada altura, atingiremos os nossos limites (afinal somos apenas seres humanos) e acabaremos por não conseguir alcançar as expectativas do nosso ente querido.
Para evitarmos estas situações, temos que ter sempre em mente dois pontos importantes:
1) Nunca prometer algo que talvez não possamos cumprir (se não prometemos ninguém poderá chatear-se por não o termos conseguido);
2) Devemos recusar assumir responsabilidades/tomadas de decisões/tarefas que o próprio doente consegue assumir. Podemos ajudar e/ou acompanhar nessa atividade mas tem que ser o doente a realizá-la.
- A simbiose
Falamos de simbiose, quando esquecemos que eu sou eu e tu és tu. Para percebermos melhor este conceito, imaginemos dois ovos fritos: cada gema está ligada à outra pela clara mas ainda assim há espaço suficiente entre os dois ovos para os conseguirmos diferenciar. Aí não existe simbiose, cada um se diferencia do outro, são dois indivíduos completamente distintos. A simbiose (ou fusão) é a omelete: misturou-se, confundiu-se tudo, não se distingue nada, há confusão de emoções, de pensamentos, de vidas, etc. Na fusão, deixamos de viver a nossa própria vida para vivermos a vida do doente. E quando este falecer? Morremos com ele?
É essencial, diria até vital, mantermos uma certa distância entre nós cuidadores e o nosso familiar doente. Esta distância é necessária para mantermos a objetividade dos cuidados e fazermos realmente o que faz falta. Permite, também, transmitir alguma calma e segurança ao doente.
Como é que o doente vai sentir-se calmo se eu estou com os nervos em franja ou em pânico?
- Todo-poderoso
No desejo profundo de cuidarmos da melhor forma possível da pessoa doente, corremos o risco de esquecermos que somos humanos com defeitos e limitações.
Na realidade, esse desejo de sermos todos poderosos, esconde-se o sentimento de impotência perante a doença e a angústia de vermos o chão derrubar-se debaixo dos nossos pés, isto é, o medo de perdermos o controlo da situação, controlo esse que nunca tivemos.
No nosso sonho de podermos salvar o nosso familiar, fazemos mil e uma acrobacias, tentando ultrapassar os nossos próprios limites (aí corremos o risco de substituir totalmente o doente sobrecarregando-nos e fomentando a perda de autonomia do doente).Também surge o sentimento que somos capazes de gerir/tomar conta de tudo sozinhos, de sermos a pessoa mais adequada para cuidar do nosso familiar ao ponto de recusarmos qualquer tipo de ajuda até que…não aguentamos mais, e depois? Pois é, não somos de ferro!
Sim nós podemos cuidar, ajudar, acompanhar a pessoa mas sem nunca esquecermos de nós próprios, dos nossos limites, das nossas necessidades, dos nossos desejos! NÃO. NÃO ESTAMOS A SER EGOÍSTAS! Simplesmente, cuidamos de nós próprios para melhor cuidarmos do nosso familiar.
Como vou impedir o meu familiar de cair se eu própria não tenho forças para me manter a mim própria de pé?
Descubra as armadilhas e estratégias do cuidado informal através deste jogo interativo.