Febre!! Toda a gente já teve alguma vez na sua vida. Toda a gente já ouviu falar dela. Toda a gente opina sobre a febre e com tratá-la. E, claro, com tantas opiniões que circulam, fica complicado diferenciar os mitos dos fatos. Vamos lá esclarecer isso tudo de uma vez por todas!
O ser humano é um ser homeotérmico, isto é, tem a capacidade e necessidade de manter a sua temperatura corporal constante. Para cumprir esta necessidade, o nosso corpo recorre ao seu grande amigo e ajudante: o centro termorregulador que se situa no hipotálamo (região do encéfalo). A sua função é estabelecer o equilíbrio entre a produção e a perda de calor, independentemente das variações de temperatura do meio ambiente.
No entanto, a temperatura não é a mesma pelo corpo todo. A temperatura do núcleo central (cérebro, tronco e abdómen) é, geralmente, mais alta do que a superfície (membros do corpo_ braços, mãos, pernas e pés). É por esta razão que o valor medido da temperatura difere de acordo com o local de medição (retal, oral, axilar e timpânica).
Além do local de medição, a temperatura corporal varia consoante o/a:
- Idade: mais baixa nos idosos;
- Zona do corpo: mais alta no reto (núcleo central) do que na axila (superfície);
- Sexo: na mulher, há um ligeiro aumento da temperatura após a ovulação;
- Ritmo circadiano: pequeno aumento da temperatura entre as 6 e 18h;
- Exercício: o exercício físico aumenta a temperatura (produção de calor produzido pelos músculos em movimento);
- Temperatura ambiente: em climas quentes, é mais elevada;
- Gravidez: aumenta pela subida de progesterona;
- Estado pós-prandial: aumento da temperatura durante a digestão;
- Alterações endócrinas: a tiroxina acelera o metabolismo (maior produção de calor).
Os primeiros relatos de febre provêm de Hipócrates (460-370 a.C.) que descreveu o curso de algumas doenças febris como a febre tifoide. Contudo, a medição da temperatura foi realmente possível a partir de 1624 com o surgimento do termómetro. E, em 1868, o físico alemão Carl Wunderlich realiza um dos primeiros estudos sobre a temperatura corporal. Ao longo de 20 anos, ele mediu a temperatura corporal de cerca de 25 mil pessoas, duas vezes por dia. Os resultados mostraram que a temperatura corporal média das pessoas saudáveis entre os 18 e 40 anos varia de 36,8 a 37,2º com um valor mais baixo às 6h e um valor mais alto às 18h. Este padrão mantém-se durante os quadros febris mas não na hipertermia.
Hipertermia vs Febre
Na hipertermia ocorre o aumento da temperatura central (núcleo central) mas sem a influência do centro termorregulador do hipotálamo. O que acontece é uma desregulação dos mecanismos periféricos de perda ou produção de calor.
Por outro lado, a febre (ou pirexia) consiste na elevação da temperatura corporal acima do habitual do indivíduo, regulado pelo centro termorregulador do hipotálamo, em resposta a diversas causas como, por exemplo, uma infeção.
Considera-se febre, uma temperatura igual ou superior a 1º acima da média das temperaturas habituais da pessoa no mesmo local de medição.
Causas da febre
Como referido anteriormente, as infeções são as primeiras causas de febre, porém, não são as únicas. As causas são múltiplas e variadas tais como alguns cancros, hemorragias, doenças metabólicas, traumatismos, doenças autoimunes, susbtâncias químicas, doenças endócrinas, obstrução vascular (enfarte do miocárdio), etc.
Mecanismos da febre (fisiopatologia)
As substâncias causadoras a febre/pirexia são chamadas de pirógenos que podem ser exógenos ou endógenos. os pirógenos exógenos (por exemplo bactérias e seus metabolitos e toxinas, substâncias químicas, certos medicamentos, etc.) são originários do meio exterior e não do próprio hospedeiro/indivíduo. Os pirógenos endógenos são produzidos pelo próprio organismo, muitas vezes, em resposta aos pirógenos exógenos.
Resumindo e exemplificando, no caso de uma infeção, o microrganismo (pirógeno exógeno) é reconhecido por um glóbulo branco (leucócito). Este, por sua vez, produz uma série de substâncias como as citocinas (pirógenos endógenos) que se deslocam para o hipotálamo onde são reconhecidas por células específicas onde começam a produzir as prostaglandinas. Estas últimas irão estimular e ativar as células hipotalâmicas induzindo o aumento do limiar do termóstato do hipotálamo. De seguida, o hipotálamos ativa os neurónios periféricos que controlam a vasoconstrição cutânea e a contração muscular, o que aumenta a produção de calor e assim a elevação da temperatura do corpo para um novo valor fixado pelo hipotálamo. Assim que o microrganismo é controlado ou mesmo eliminado, há uma redução dos pirógenos no sangue e o ponto de ajuste de temperatura do termóstato do hipotálamo regressa ao seu valor normal. Esse regresso ao normal induz a vasodilatação cutânea e a sudação, levando, por conseguinte, a uma perda de calor permitindo que a temperatura corporal desça para valores normais.
Etapas do quadro febril
De acordo com os mecanismos fisiológicos da febre, o seu desenvolvimento ocorre em 3 fases:
- Fase de aquecimento_ como o próprio nome indica, corresponde à fase onde o organismo começa a produzir e conservar calor com o fim de aumentar a temperatura corporal. Nesta fase, a pessoa sente frio, encolhe-se na posição fetal, procura agasalhar-se ou aproximar-se de uma fonte de calor, apresenta tremores/calafrios, palidez, pele arroxeada principalmente nas mãos, mal-estar generalizado, cefaleias (dores de cabeça), cansaço, etc.
- Fase de planalto/estabilização_ aí, o corpo atingiu a temperatura corporal indicado pelo centro termorregulador do hipotálamo pelo que começa a preparar-se para libertar calor.
- Fase de arrefecimento_ neste ponto, o corpo começa a arrefecer promovendo a perda de calor com recurso à vasodilatação e à sudação. Portanto, a pessoa começa a sentir calor, desagalha-se, fica ruborizada (a típica cara vermelha) e transpira até atingir novamente a sua temperatura corporal habitual.
Medidas gerais a tomar
O tratamento da febre baseia-se em quatro princípios que visam, principalmente, aliviar o desconforto:
- Modificação do ambiente externo:
- Manter a temperatura ambiente entre 20 e 22º;
- Adequar o vestuário consoante se se tem frio ou calor e o mesmo se aplica com a roupa da cama.
- Suporte do estado hipermetabólico:
- Reforço da hidtatação (beber água);
- Alimentar-se sem forçar (pouco de cada vez).
- Proteção dos órgãos mais vulneráveis:
- Uso de antipiréticos (paracetamol) apenas para aliviar o desconforto. Nota: se a pessoa estiver confortável não se recorre aos antipiréticos.
- Tratamento da causa da febre (instaurado por um médico).
Sinais e sintomas que requerem consulta médica
- Dor de cabeça que atrapalha o dia-a-dia;
- Rigidez no pescoço e dor quando dobra a cabeça para a frente;
- Sensibilidade anormal à luz intensa;
- Garganta muito inchada;
- Manchas na pele de aparecimento recente;
- Confusão mental;
- Vómitos persistentes;
- Dificuldade em respirar ou dor no peito;
- Apatia extrema ou irritabilidade;
- Urina mais escura que o habitual.
Na criança:
- Ligar 112 se:
- Tosse rouca e respiração ruidosa;
- Respiração asmática, com pieira e dificuldade respiratória;
- Corpo invulgarmente quente ou frio;
- Cansaço físico;
- Choro de uma maneira ou por um período pouco usuais, com irritabilidade persistente, ou emissão de gemido.
- Acompanhar a criança a um serviço de saúde (centro de saúde ou urgência) se:
- Menos de 3 meses de idade;
- Temperaturas axilares superiores a 40º ou retais superiores a 41º;
- Febre com duração superior a 5 dias completos;
- Sonolência excessiva ou incapacidade em adormecer;
- Face/olhar de sofrimento;
- Irritabilidade e/ou gemido mantido;
- Choro inconsolável;
- Não tolerância ao colo;
- Dor perturbadora;
- Convulsão;
- Aparecimento de manchas na pele nas primeiras 24 a 48h de febre;
- Respiração rápida com cansaço;
- Tosse e expectoração esverdeada ou acastanhada;
- Vómitos repetidos entre refeições;
- Sede insaciável;
- Lábios ou unhas roxos e/ou tremores intensos e prolongados na subida de temperatura;
- Dificuldade em mover um membro ou alteração na marcha;
- Urina turva e/ou com mau cheiro.
6 mitos relativo à febre
- Banho gelado/frio baixa a febre
O banho gelado/frio é contraindicado, pois a pele fica mais fria e o centro termorregulador do hipotálamo volta a ativar os recetores periféricos para aumentar a temperatura corporal, provocando ainda mais desconforto no doente.
- Colocar álcool na água do banho ou aplicar compressas de álcool ajuda a baixar a febre
Não ajuda rigorosamente nada! E, ainda por cima, pode provocar intoxicação no doente, principalmente nas crianças.
- É preciso despir a pessoa toda quando está com febre
A pessoa deve vestir-se de forma a estar confortável. Se está com frio, agasalha-se. Se está com calor, tira-se o excesso de roupa.
- Qualquer criança com febre pode ter convulsões
A convulsão febril é, geralmente, benigna e, ocorre principalmente em crianças predispostas geneticamente na presença de febre.
- Quanto mais alta é a febre, mais grave é a doença
Doenças benignas podem provocar febre alta.
- Febre é doença
A febre é um sinal de alerta e uma resposta normal do corpo no combate a uma infeção. Ou seja, a febre é a nossa amiga.
E agora desafie-se e verifique se é um génio da febre com este desafio:
Bibliografia
- Pinto, Anabela. “Fisiopatologia: Fundamentos e Aplicações”, 2ª Ed. Lisboa: Lidel; 2013.
- Seeley, Vanputte, Regan, Russo. “Anatomia e Fisiologia de Seeley”, 10ª Ed. Porto Alegre: AMGH Editora Ltda; 2016.